O que há pra hoje?

POESIA COLABORATIVA
Suor. Espaço de exercício poético e livre escrita...

terça-feira, 31 de maio de 2011

O Coração da Marginália

Quem é o fake de Deus?
Deus é esse,
cujo coração alcanço com meus sentidos;
cujo coração se irmana ao meu
e que toco quando meus pensamentos não têm como ir mais além.
O coração de Deus é marginal, subversivo.
O coração de Deus é feminino.
O coração de Deus é um artista e um atleta afetivo.
O coração de Deus é uma criança
que dança entre os sexos
e brinca com suas fronteiras.
O coração de Deus não tem segredos,
Não tem mistérios,
Nem medos.
O coração de Deus não quer ter sua carne e seu sangue engolidos.
E como é forte e feminino o coração de Deus.
O coração de Deus é gay, viado, bicha.
O coração de Deus é maconheiro, é favelado.
O coração de Deus é um bobo e um bufão e um palhaço.
O coração de Deus é um intelectual fudido.
O coração de Deus meteu os pés pelas mãos e não sabe o que fazer.
Normal, oxe!
O coração de Deus duvida.
O coração de Deus está de saco cheio e se embriaga um pouco pra se esquecer.
O coração de Deus é dançarino, e haja dança, e haja música pra tanta dança, ou dança-se sem som.
O coração de Deus é um folguedo antigo, e folga a hora que quer.
O coração de Deus é um dedo em riste que pede ao garçom outro de dedal de meer.
O coração de Deus teve um enfarte sério há mais de um século ou desde o renascimento. Desde então, o coração de Deus parou de bater, e desde então se entorpece, de férias da responsabilidade de ser.
O coração de Deus é um coração vagabundo, vadio, peralta, danado que só.
Vive rebojando esse coração de Deus, rindo do chicote que lhe dão.
Mas o coração de Deus só curte, não curte bater, não quer apanhar, não quer ser o que querem fazer dele.
O coração de Deus quer só que cada coração seja um Deus também.
Só.
Qual o seu fake de Deus?

Pausa.
- Vou ali. Quero beber. Há sempre na geladeira um vinho de primeira roubado da adega de Deus.
*Sob inspiração de Sérgio Sampaio

Constatações Luminosas

(Eis a letra do poeta embriagado.
Depois de uma noite lúgubre de vinhos e outros entorpecentes,
o poeta decoroso, num intento insano de retomar sua embriaguez,
escreve um poema, desarrumado, desalinhado, caótico,
chamado "Constatações Luminosas"
com todas as idéias que lhe ocorreram na noite anterior,
ei-las:)

O medo da primeira ação, é sempre medo maior.
O medo da rejeição é medo perene, pressuposto.

Não tenho o traquejo da noite.

Quero um raio! Um raio que parta o povo!Que abra a cabeça dessa gente!

Com quantos "s" se faz um desassossego?

Então viver é isso? Abandonar o discurso e atuar a simplicidade.

Essa história de mulher resignada, me corta no músculo, me empola, me enoja, me faz ter um asco vil.

A moral é uma grande pedra (embora transponível) que colocaram em minha frente.

Vejo tudo no mundo como num velho livro lido dez vezes.

Deixa-me livre! (apenas às vezes)

Ode à melancolia, a canção mais gloriosa.

Sou do São Jorge que dança e faz dançar, dos santos e deuses que dançam. Eis meu panteão.

Não é permitido domesticar! ou domesticar-se!

O "Ou não" - depois de qualquer constatação, é sempre meu conforto.

O outro é, sempre, outra coisa. Mas tem gente que vive errando, tomando o outro por si.

(Depois de tomar nota de todos os lampejos que lhe ocorreram naquela noite de arruaça, redenção e danação, o poeta morreu, feliz de ter parido sua obra prima: um inventário de constatações luminosas).

domingo, 29 de maio de 2011

Sobre Yermas e Medéias

Não atribua as mulheres, virtudes que elas não têm.
São mortais estas que julgamos musas
Pele, carne, desejos e osso.

Constatação líquida

Lendo Modernidade Liquida
e Amores Líquidos de Bauman
constatei que:
Pra dançar créu
tem que ter disposição
Pra dançar créu em que ter habilidade
Pois essa dança não é mole não
Eu venho te lembrar
Que são 5 velocidades.

Mas toda constatação é, por natureza, também líquida, o que me faz sossegado.

Mundo, mundo, vasto mundo

(Um mantra)
Arrisca mundo
Arrisca mundo
Arrisca mundo
Arrisca mundo
Arrisca mundo
Arrisca mundo
Arrisca mundo
Arrisca mundo
Arrisca mundo
Arrisca mundo
Risca mundo
Risca-se o mundo todo
Mundo arriscoso
Mundo arriscoso
Mundo, arrisca, mundo
Arrisque ser outro
Arrisque-se arriscar-se
Arrisca ser outra coisa
Arrisca mundo, arrisca.


sábado, 28 de maio de 2011

Escolhações

- (eu comigo) Escolha.
Ordem ou convite.
Diga, nomeie, peça, implore, compre, coma, beba, reflita melhor.
Este caminho ou aquele?
Faça e desista e corra. Ataque e defenda.
Não faça absolutamente nada.
Prove, prove, prove.

- É! sou eu algoz de minhas escolhações.

Tornei-me ao longo da vida isso:
UM ESCOLHEDORES
PHDeus nas ciências das decisões.
Formação empírica, nada mais.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Solidões

Solidão, que poeira leve*.
Solidão não. Solidões.
Os sozinhos andam sempre em bando.
Por que atrás de mim, há outros.
E atrás dos meus outros, outros tantos deles.

O que me salva de minha solidão é a ilusão de que estejam sós os que me acompanham.

Sou um compositor de rupturas. Já entendi que não sou só.
Romper e ligar-se ao novo. A algo novo - que nem sei o que é.
É que a vida é movimento,
e é preciso, vez por outra, escolher partir, cindir, romper.

"Há malas que vão para Belém!" - e não importa que eu não vá.

É!!! Solidão. Essa besta fera.
Se ela nascesse rainha, milhares de guerras faria*.
E estou aqui, agora, no oco do tempo, fingindo-me só, compondo este poema.

Solidão. Há? Solidão, não. Solidões.
Solidões de descompassos sincopados,
como a tristeza senhora de um samba de roda marcado.
Dançado à tantos pés. Juntos e sós.
Ou na batida "solitária" de um pobre coração...
Tum tum... Tum tum... Tum tum...

*Citação de "Solidão" - Tom Zé.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Degustando o tempo

Como três bonecas de barro, velhas, casmurras, dóceis e sorumbáticas!
Organizo meu modo de poetizar tentando entender sempre a volta que o mundo dá.
Acessar os registros para acessar o tempo.
Ler, Apreender, acomodar, antropofagicamente.
Engolir o tempo de digerí-lo fácil.
Será esse meu ato performativo público.
O de degustação do tempo.
Pra tornar público, me basto.
As outras gerações terão mais informações para saber o que aconteceu.
Aí... talvez? Quem sabe?

Um Momento de Hiperconciência

- Tá bom!

- O quê?

-Tá bom, pra mim.

- Tá bom em que medida? Tá bom em que tamanho pra você?

- Tá bom, na medida da minha cabeça e do meu caminho.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Sobre cuidar-se

Eu, no meio destas mulheres lindas, que vivem de espalhar encanto, tenho é de ir cuidando do meu peito.

Eis a sutil arte de se deixar cativar e ter partido o coração.

Prática não inerente a um romântico de amores profundos.

Mas o que se pode fazer em tempos de amores líquidos, tempos-superfície onde não se envolver é norma?

Se não é mais possível tê-los, os amores profundos.

E se já não há mais espécimes de amores perfeitos.

No meu jardim vou cultivar levezas.

Amores secos

É tempo de homens sem vínculos capazes de apertar os laços e mantê-los frouxos.

É tempo de confundir leveza com falta de envolvimento.

É tempo do imediato, da falta de construção e da falta de cultivo.

É tempo da ausência.

É tempo de relações de bolso, das que se pode dispor quando necessário e depois se guardar.

É tempo de chamar tudo de amor e não haver amor em nada.

É tempo de extinção dos bobos sentimentos sãos.

E eu, extemporânea a este tempos líquido, sou livre e tenho um Norte.

HaiKai de Descoberta Íntima

Então viver é isso:
ou sobe-se no palco pra atuar;
ou fica-se a vida inteira na platéia.

Menino Miguel*

(Para o povo, ao lado da fogueira) I Deus? (com acento) Deus é quein, é? (sem acento) Deus é quein aquele povo diz que é? (Político) Me diga meu povo, me diga! (Onomatopéico) Su-su-su... (em transe hipnótico) Apois... esse Deus que inhessa igreja fala é um minino grande. Mas é de tudeza... Uma luiz vermelha qui cega, qui seca, qui açoita... qui num deixa nois inxergar indireito as coisa. Inhesse num é Deus não. (enfático) Não. (Outro tom, convencido) Não qui eu tenha sabença de tudo. Nem se euzim aqui quisesse, eu tiria. Por que num inxiste esse homem que tem sabença de tudo, minha gente! Será? Pense vosmicê aí. (Onomatopeico) Su-su-su... Oia, meu povo: Deus tá é nas pessoa, nas coisa que as pessoa faz, na terra, no arado, no aruvai, no barro da gamela véa, no catre surrado... Deus tá ni tudo. I ele quêr tudo surrino. (Uma gargalhada de 20 segundos que cresce gradativa e sincopada).

*Menino Miguel é uma criança de sete anos que vive no sertão da Bahia, tem educação moçarabe, e sabenças milagrosas. Tá a frente de um movimento separatista sertanejo. Experimentos dramatúrgicos para Miguel - histórias sertânicas oficiosas.

Carta à um amor líquido - ou outro caso do vestido

Meu Benzinho...
Ontem descobri rastros de sua infidelidade.
No notebook, no sms do celular, nas faturas do cartão de crédito.
Fui só tristeza profunda.
Saí pensando na morte, mas a morte não chegava.
Andei pelas cinco ruas, passei ponte, passei rio, não comia, não falava.
Tive uma febre terçã, fiquei de cabeça branca, perdi meus dentes, meus olhos, lavei-me*.
Lavei-me tentando tirar de mim qualquer vestígio de teu corpo.

Meu Benzinho...
Hoje redescobri rastros da minha infidelidade.
Um perfume no ar, a barba feita, argolas novas nas orelhas.
Fui só ninguendade profunda.
Saí pensando na vida, e a vida estava em qualquer esquina que se olhasse. Ali. Ávida, essa vida.
Perfumei-me de Carmim, vesti as vestes mais ardis e provocantes. Entreguei-me aos meus amantes.
Tive uma febre terçã, lambi-lhes cabeça, dentes e olhos, lavei-os de saliva lasciva.
Lavei-me depois, tentando encontrar em mim os vestígios do meu próprio corpo.
Tarefa vã. Não encontrei meu corpo em mim. Me olhava no espelho, mas só via você. Você. Você.

De um lugar qualquer, num 24 de março frio e cinza.

*Citação de e dedicada à Drummond

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Redescobri o que é fazer "teatro"

Montar um cordel e encená-lo numa zona rural...
ser grupo, ser mambembe.
Fazer intervenção urbana performativa numa cidadezinha qualquer...
Compor uma performance inusitada e performar num espaço urbano qualquer...
Criar um espetáculo hermético e encená-lo em qualquer sala underground...
Construir um belo discurso, bem referendado, que justifique todo o trabalho.
Ganhar edital e prêmio por tudo isso.
Ser feliz, viver artista e intelectual.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

O que é, o que é?

O artista-pesquisador de esquerda, fazendo sua pesquisa etnográfica, se aproxima do popular, do brincante e pergunta:
- O que é cultura popular, brincante? O que é folclore, brincante?
Ao que o brincante responde:
- Tenho sabença dessas coisa não, meu fio. Diz o povo que é uns nome gordo e luzido que os doutor inventou pra falar só com a boca o que o povo fala com o corpo todo, com música, dança e tambor.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Fuga das Metrologias das Grandezas

Escrever sem medida
sem forma
sem ordem
Por estética que não imponha regras
[FORA DOS PADRÕES]
Repúdio às Metrologias das Grandezas - que só servem para definir unidades: estas das quais tanto me esquivo.
As minhas palavras desviam-se apressadamente para escapar do chicote do feitor castiço.
Para fugir do [PADRÃO], do modelo-tipo, da ditadura vernacular.
As minhas palavras tomam corpo, criam assas, voam livremente prenhes de liberdade!
Sem medida
sem forma
desordenadamente.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Moço de família(suposto nome)


Quero os olhos desse, o sorriso daquele,
conversa de amigo, sexo desconhecido.
Quero pouco,quero todos,
um são e dezenas de loucos,
acima, abajo y adentro de mí.
Por quê sim?Por quê não?
Amor de minutos e horas a fim.
Me perco nestes braços, me encontro naquelas pernas.
Me fodo.
Sí, amo a ellos y ellos a mí,
Moço de família,
moço de moços, solo ama-me.

ODE À LÍNGUA PORTUGUESA - 01: Flutuou

Que delicia de palavra...
Que conjugação sonora, plena de us.
Flutuar (verbo no indicativo)
Conjugado na terceira do singular, pretérito perfeito:
Flutuou. Flutuou. Flutuou.
Que delícia de palavra. Que palavrão obsceno de encontros vocálicos de us.
Flutuou... Flutuou... Flutuou...
Delícia de palavra.

domingo, 15 de maio de 2011

Cadência Autêntica Perfeita

(em enlevo e prazer) Vivemos todos os outros momentos para viver esses...

Tensões que vazam em relaxamentos.

A vida é um acorde de quinta, com sétima,

que resolve-se na fundamental, com a terça na soprano.

Sol Fá Dó Mi

Sol Fá Do Mi

terça-feira, 10 de maio de 2011

Polidez, Boas Maneiras e Cordialidades

Por mais aguçado que seja meu faro, nunca decifrei qual era o perfume dele. Sei que vivia tendo de dizer coisas inteligentes. Era uma excelente companhia, sempre convidado para os encontros de amigos de festa. Contava piadas, falava amenidades, preenchia a noite.

Quando em público sempre buscava parecer contente (e talvez fosse de fato), mas nunca teve certeza se conseguia. A tentativa era tão artificial e parecia ser tão não-ele que talvez fosse mais legitimo se cortar com uma lâmina, abrir na cara um sorriso permanente. Talvez.

Oxalá demonstrasse ter fibra, resultaria mais autêntico. Mas não. Era sempre a busca. A busca de ser original, a busca de ser engraçado, a busca de dizer a última palavra, a busca de parecer mais arejado, de ter o discurso no tom. Só posso afirmar que sofria - isso com certeza. Mas gostava do sofrimento, estava já afeiçoado a essa sensação (que já não julgava nem boa nem má, apenas ossos do oficio) de se procurar e sempre se esconder na máscara mais agradável. Vivia dessa busca, nessa dúvida. E perfumava de dúvida o mais nobre aroma de jardim.

Mas não há saída: as coisas tem o cheiro do que são.

Eu que, triste sempre olhava pra ele e o julgava fake demais, percebi que talvez fosse apenas um problema da minha interpretação ou de minha aceitação. Me faltava a medida poética para entender as irritantes amenidades daquele homem cordial.


Pedagogias da festa, da dança, da vida

Quando a vi pela primeira vez não pude imaginar,

Afinal aquelas roupas largas,

os gestos brutos

a feição casmurra,

quem adivinharia quem ela era?


Ela dizia que dançar era como voar

E que estas duas ações eram seus grandes e irrealizáveis desejos:

Não dançava e tinha medo de altura.

Era um desengonço só.


Quando entendi o problema

Nem foi tão difícil convencê-la

fiz isso com meu corpo


Dancei. Ela me viu dançar.

Viu que para dançar bastava ter pés,

Bastava ter música,

Bastava ter ar.


Dançou também comigo e flutuou música,

cometeu crimes contra as leis da gravidade... voou alto.


Por fim... perdeu todos os medos.

Aprendeu com a vida.

tédios e retaliações

Sem grana

Sem trampo

Sem planos

Sem namorada

Sem drogas

Sem rumo

Sem chão

Sem saco

Sem tempo

E por mais que eu perdoe o mundo

ele não perdoa

Não sede em sua aspereza.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Menino Miguel*

E artista, artista é povo? Não tenho muita sabença, só sei que é gente de carne que nem nois?

*Menino Miguel é uma criança que vive no sertão da Bahia, tem educação moçarabe, e sabenças milagrosas.

domingo, 1 de maio de 2011

Predestinação profana - O Ouvinte

Antoin José era menino surdo.
Tomava todo tipo de remédio caseiro que o povo fazia...
Nada dava jeito. Não havia modo nem maneira que fizesse o menino curá.

Em casa, com cuidado e zelo, Antoin Zé guardava uma farmácia completa, muito bem escondida num das banda do armário veio esculhachadim, que só.
Era tanto remédio vindo da cidade pra casa de Zé, que ninguém sabia como aquilo tudo era tomado, pois que num era possíve que existisse alguém que se ocupasse de tomar tanto remédio. Uns remédio gordo, luzido, parecendo uns pavão até no nome.
Pudera, semelhante de ser o nome dos remédio ingual artista americano.

O povo dizedor falava, na boca miúda, que Antoin tinha umas forma estranhafobética no jeito de ser dele. O modo de ser da pessoa. Sua vidinha de desgracença era até boa, mesmo com toda doença. Uma vidinha véia calada, atristezada de aconticimento.

Lá em "Novo Horizonte" vivia todo mundo assim, um meio atristezada com um meio feliz.

De uma vez por outra, Antoin Zé tomava umas razão de doidiça, que lhe causava um tengo do relengotengo... Tomava alguma coisinha besta, escondido, na moita, e depois parecia relaxado num sofá véio, esperando a hora de endoidar.

Ficava uma renca de hora ali: um pedaço de corpo jogado no mundo.

Com o tempo Antoin Zé deu foi de ficá na janela. Apois que ele ficava na janela, estendido no tempo, olhando o tempo passar:

Um homem....
Um cachorro... .
Um burro vai...
Uma vaca vai devagar.
Tudo devagarzinho.

Doido, doido de pedra noite e dia, sem o menor pudor, dispudorado que era. Tava sempre lá. No batente da janela:

Um homem....
Um cachorro... .
Um burro vai...
Uma vaca vai devagar.
Tudo devagarzinhozinho.

Foi num dia desses, de descanso janelística, que teve seu primeiro gozo sonoro. Transformou as imagens das passadas do bichos lá fora em células ritmicas que lhe sugeriam uma cor e um som. Cada passada era uma duração toda especial. Para cada movimento havia batidas com timbres diversos, intensidades e alturas diversas. Era como se cada passada de bicho tivesse se transformado numa dança/som de ritmo riquíssimo... uma dança do som.

Ia todo dia para a janela e descobriu o que lhe viciara: era o mundo dançando lá fora. E assim, Antoin Zé ouvia... ouvia a música da dança que o mundo faz.

Tudo o que até hoje escuta. Antoin Zé consegue ouvir. Só música... Ser platéia exige um esforçozim grande do cidadão...

Queimou toda a farmácia e nunca mais usou remédio. Agora Toin Zé se colocava a ouvir música todo o dia, o dia todo, todo o dia, o dia todo, todo o dia.