O que há pra hoje?

POESIA COLABORATIVA
Suor. Espaço de exercício poético e livre escrita...

sábado, 30 de abril de 2011

Triângulo equilátero, equiângulo amoroso

Amo-me muito. Sem pudor.

Há hora de ser, pesquisador/artista/educador,

e há hora de ser artista/pesquisador/educador.

O educador/artista/pesquisador é de dar política vertigem.

Quando é a vez do artista/educador/pesquisador tudo é deleite/suor, suor/deleite/suor.

O educador/pesquisador/artista sente sempre, sente e capta a hora de sistematizar.

Mas é o pesquisador/educador/artista que exige de mim muito, muito e mais. O que carrega pedra e que oferta mais trabalho. E quando exijo de mim assim intensamente abro um sorriso largo nos lábios e apenas dou vazão.

Isso tudo numa vida... uma vida que, em si, é triângulo-narcísico-amoroso.

Mas cá pra nós: isso é que é vida, meu Deus!

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Navegante ou Caminhoso

Navegante deste mundo

Ando distraído, errante.

Construindo caminhos com as solas dos meus pés;

Provocando incoerências;

Desacreditado das razões severas.

Acredito: discordar é preciso!


Navegante deste mundo, caminho.

Caminho com a certeza de que:

o sofrimento não serve para nada;

o romantismo só vale a pena se não for melancólico;

a timidez não pode ser confundida com a hostilidade, pois se uma é agressividade a outra é só mau jeito.

Sinto: cativar é preciso!


Navegante deste mundo, caminho e sigo

Protegido por Deus e por meus instintos.

Sem saber de coisa alguma,

às vezes me perco,

noutras me reencontro.

Concluo: (num suspiro) É! Caminhar é preciso!

Classificados

Procura-se um amor
desses sem cobrança
que pede colo
e que compartilha afeto.

Procura-se pessoa disponível para amar
que goste de dengo,
de festa
e de mim.

Procura-se homem ou mulher
que me faça companhia
e que em dia de domingo
durma agarradinho comigo

quinta-feira, 28 de abril de 2011

TESE DE CRIAÇÃO: Exercício dramático sobre ordem de fatores

(Registro: melancólico)

(Dizer todo o texto buscando ser intenso, denso) Norma é uma moça bonita que fica no portão com um porrete enorme na mão.

Mudar, a mudança enquanto norma.

Dizia ele que as vezes era preciso fazer coisas diferentes das que a gente faz sempre.

Tenho um amigo que gosta de realismo fantástico com toques de crueldade


(Registro: jocoso)


(Dizer todo o texto buscando ser intenso, denso) Tenho um amigo que gosta de realismo fantástico com toques de crueldade

Dizia ele que as vezes era preciso fazer coisas diferentes das que a gente faz sempre.

Mudar, a mudança enquanto norma.

(tentar continuar com o registro de densidade) Norma é uma moça bonita que fica no portão com um porrete enorme na mão.

Mandinga para espantar zica de casa nova – ou – Feijoadinha besta

Aluguei uma casa numa rua insossa, sensaborona. E pra começar com o pé direito, espantar a zica, marquei uma feijoada completa.

A Neuza, minha chegada, me ajudou a preparar o feijão do jeito que Tom Zé gosta. Chico, o Buarque, dessalgou a carne, Marisa cortou a cebola, Arnaldo fingiu, muito mal, amassar ao alho e falou sobre fragilidades. Céu cortou tomates pra salada enquanto Ceumar cortava delicadamente um molho de cheiro verde. Milton disse que Baby não quis nem ver, nem saber do que se passava. A Bethânia também não quis aparecer. Ela disse que a MPB estava morta e que era preciso ler os mapas desse tempo, por isso havia deixado de ir à feijoadas para se dedicar ao seu projeto novo: um blog. O telefone tocou. Era Caetano, dizendo que ia faltar mas deu, por telefone mesmo, o título da festa: “Olha, isso é um samba/suor/ecerveja!”.

Enquanto isso os meninos (Morais, Alceu,Lobão e Jorge) jogavam palitinho e divergiam sobre necessidade de dor...

Ney cortava os tecidos de seda para a por à mesa, Gil, no fogão preparava um chá. Chico, o César, arrumando com cuidado cada talhe e rindo falou alto “ainda bem que nesta feijoada não faltou camarão!!!”.


Já era tarde quando chegou a vez de Tom Zé assumir voz e violão. Derrepente alguém deu um grito! Era Gal, a dos anos 1970, que tinha bradado um agudo farpado de dentro de um outro salão. Disse ela, estranhamente, que sabia que naquele quintal estava enterrado o poeta Waly Salomão, o marujeiro da lua. Lenine para evitar que meu terreno fosse escavado, argumentou que ela devia estar um pouco confusa por conta dos entorpecentes. João Gilberto, calado, mas achando tudo muito engraçado, pegou no cabo da enxada e com a ajuda de Baleiro começou a escavar. Calcanhoto foi quem primeiro percebeu que Waly estava acordando feliz. Na verdade, Waly acordou ansioso, ninguém se movia ou falava nada, ninguém entendeu. Waly prontamente irrompeu o silêncio e perguntou: “Acabou a cerveja, foi?”
.

Reformas do plano do sagrado...

o manto da vida é vermelho
e não importa que eu o deseje azul
o manto da vida é vermelho
e não tem foice e martelo
o manto da vida é vermelho
e promove as reformas mais intimas
reformulação de sentido e sentir
revoluções sinestésicas.

Post it (02)

Para não esquecer:
Assistir à quietude dos brados que dão as montanhas de Jequié, sempre.
Ouvir os sapos que coaxam em concerto quando andamos ao crepúsculo, sempre.
Ler os post its espalhados pelas paredes de casa com as caras dos poetas pintados.
Sentir a família de sangue (velha) e a de estrada (nova)
Tocar uma bola leve com os filhos e com os maridos na quadra da pracinha bucólica de sábado a tarde.
Ler o cardápio do Panela Velha com a família.
E ensaiar a mudança
Encenando sossego de alma.

Por e Para AdrianaMorim

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Post it (3)

Para não esquecer:

Comer a poesia de Patativa do Assaré.
Ouvir Elomar.
Desconstruir as paródias do suposto homem sertanejo.
Não confundir a culpa de Deus com a dos homens ricos.
Desmistificar o fatalismo e o determinismo geográfico.
Usufruir da cientificidade dos cordelistas.
Aprender com a complexidade da cultura popular
e sentir a poesia da sabedoria desconcertante das crianças
compondo poesia com cor de terra e de homem.

Desconforto

As coisas existem antes de falarmos nelas?
E pensar? As coisas existem antes de pensarmos nelas?
O mundo existe num apriori e apenas me penetra, me atravessa, poroso que sou?
Ou crio mundo quando penso ou falo a palavreta "mundo"?

Mundo, mundinho, mundão.

Perguntas retóricas e desconfortáveis.
Oh perguntinhas tinhosas, desinxabidas, deselegantes, incomodadeiras!

Não sei...
mas prefiro achar que descubro as coisas quando as vejo, ainda que eu saiba que é fato o fato de que às vezes todos já as tenham visto antes de mim.
Belo São Tomé incrédulo.
Mas é preciso reconhecer: inventar o mundo me conforta um pouco.

Medida preventiva

Evito-me, logo (d)existo.
Tenho evitado as horas de me encontrar.
E de falar assim juntinho comigo, ou diante do espelho.
Evito-me, pois, posso, no dia que eu me descobrir, deixar inteiro de existir.

terça-feira, 26 de abril de 2011

De quintais e jardins

À Sônia Rangel

Uma luz iluminou a idéia: viver de quintal:
ser zona, ser caos, deixar estar, deixar ser, sem medo de ser feliz.
Viver passarinhando no quintal, livre, solto, bicho/homem perdido na ludicidade de árvores, plantas, ervas, brinquedos, baús antigos, livros, instrumentos musicais, vinhos e amigos.

Fiz. Pus em prática.
Vivi dias no quintal.
Depois de um tempo...
Enjoei.

Percebi que o quintal sem jardim não era nada.
Jardim é lugar da poda, do cuidado, do tempo de irrigar, do tempo de plantar, do tempo de colher, da construção lenta, do crescer lento de cada planta, do movimento lento que a vida da planta faz, balançada apenas que é pelo vento.
Cuidar de jardim - uma mão de obra danada. Tem muita poesia não. É trabalho duro de carregar pedra. Trabalho de poeta, sabe!?

Pois bem, sem jardim pra cuidar, o quintal parece perder todo o sentido. Quer dizer... nem sei se realmente concordo comigo mesmo.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Mordida alheia

Tenho medo de bucetas...
Bucetas mordedoras de comer mundo.

Havia uma menina mordedora.
Estabelecia um círculo das mordidas, uma lista de possíveis mordidos, e mordia... impiedosamente.
Sabe o que é isso? Conhecer uma menina que te morde todo dia?
Um privilégio.
Mas ela não era boazinha não. Ela mordia para matar, mordia com movimentos lentos, circulares, cravando sua mordida doce na carne alheia...
Ei-la: buceta dentada, comedora, buceta cheia dos dentes comedores dessa vil máquina de degustar gentes.

Tá bom, desisto. Vá! Ande logo. Me possua.

Arapuca

Crio armadilhas de mim mesmo.
e caio nelas todos os dias.
Das duas uma: Ou sou ótimo caçador, ou presa fácil.
O fato é que na tentativa de cativar ando cativo
Preso e atado a cada dia.

Práxis Corrompida: Passo a Passo

Pensar no incorruptivel
me fez antes conceber a corrupção...

Passo 01: o mundo, a vida, a experiência.
Passo 02: Teorização sobre a corrupção.
Passo 03: Perceber como a corrupção se alastra e contamina.
Passo 04: Perceber-se.
Passo 05: Conceber a não incorrupção.
Passo 06: Permitir-se ou fazer escolhas.
Passo 07 (facultativo): Acreditar na incorrupção.

domingo, 24 de abril de 2011

Sou pipa

Pedi um bocadinho de leveza,
sem querer ou por bondade
derramou toda sobre mim...
e agora fico pintando as
tardes com o perfume dos carinhos
que merejam dos dedos dela!!

Hoje, sou pipa passarinheira de rabiola solta, parada no ar.

Post it

Para não esquecer:
Assistir Tom Zé sempre.
Ouvir os Doces Bárbaros sempre.
Ler Waly Salomão.
Sentir Oiticica.
Tocar um violão.
Ler poesia de fogo com os amigos
E ensaiar a revolução
Encenando radicalidades.

O tempo não tem pudor - aquilo que o tempo é.

O mundo não tem o menor pudor.
Vive por aí, de pernas abertas, obsceno, lascivo, arreganhado sem a dignidade de uma puta.
O mundo é vil... torpe...
Mas a puta? A puta merece aplauso redenção.

Me disse outro dia Gilberto Gil - guru dos tempos - numa feijoada ao violão:
O tempo não tem pudor. Não tem o mínimo de polidez, esse safado.
O tempo é vil...
Não preciso do tempo. Mas ele me fita com um sorriso doce, dengoso e erótico nos lábios.
Quer me comer, me atravessar.
O tempo é uma puta.
Vive de pernas abertas por aí. E cobra caro.
Cobra muito caro pelas seçoes de atravessamento e penetração.

Não quero o tempo enquanto peso.
Não quero o tempo enquanto meço.
Não quero o tempo me apontando o dedo para sua balança.
Pronto pra fazer a cobrança, querendo me coagir, enlouquecer.

Respeitai os tempos!
Respeitai meus tempos!
Os tempo de só ser.

E há sempre um enigma no ar, uma verdade para ser dita, uma meia-verdade escondida.
E o princípio da verdade? Não há.
No tempo só há simulacro de revolução.
É o máximo que conseguimos.

Por fim...
O tempo deixou-me plantado aqui, aqui onde o tempo é outro, onde o tempo é oco, onde o tempo é vão...
O presente do passado, o presente do presente, o presente do futuro.
Decidi: "Pronto! Me coloco à disposição, à disposição do tempo para ser sua esposa, amante, mulher. Sempre aberta, com pernas de virgem"...
Eis meu tempo, um tempo narrativo.
Um tempo doido pra deixar meu verbo rebolar.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Norma - dançarina ou performer

Norma era menina, pobre, negra, sul-americana, brasileira, nordestina, baiana do interior da Bahia.
Norma ouviu dizer que vivia no terceiro mundo.
Ficou preocupada.
Mas também ouviu Lenine dizer que a Terra toda era terceiro mundo, afinal era o terceiro planeta do sistema solar.
E acalmou-se.

A Norma era do mundo.
O mundo é grande e pequeno, como para Drummond.
E a Norma sabia que no mundo tudo era lícito.

Pra Norma, tudo no mundo lhe dizia respeito.
Se emocionava com a florzinha 11 horas do jardim da pracinha de sua cidadezinha do interior.
Se emocionava com a Sinfonia nº9 de Beethoven.
Se emocionava com a sapiência de sua avó analfabeta, dona de ervas, garrafadas e chás.
Se emocionava com a Edunia, bioarte de Eduardo Kac.
Se emocionava com os meninos com fome na rua.
Se emocionava assim: sem preconceitos, fora do tom, sem melodia.
A coerência dos rótulos parecia não fazer o menor sentido.

Norma virou bailarina.
Seu sonho era dançar fora, sair do país, representar o Brasil.

O governo da Alemanha havia proibido a dança em praça pública.
Norma viajou para um protesto.
Dançou em Frankfurt, em praça pública, rodeada de jovens.
Contra proibições e rótulos. Contra a determinação de que o povo não dançasse.
E Norma Dançou, Dançou muito. Dançou até morrer.
Descobriu-se performer no último dia de vida.
Sua dança era política, era protesto.

A Norma morreu feliz.
Sua missão era essa:
Fazer dançar preconceitos, tabus e bobas proibições.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Guarda-roupa

Aqui jaz meus humildes trapos
aqueles que cobrem a vergonha
e me enchem de pudor
Aqui jaz as capas
as máscaras
O que não sou.

domingo, 17 de abril de 2011

Domingo, dia de coerências

Domingo é dia morno, dia que antecipa-se em segunda indesejada; muito marasmo e pouca ação. É dia que mesmo com sol no zênite, cores das mais diversas matizes a cintilar nas pupilas, pouco inspira uma poesia, boba que seja, cheia de gracejo e destemperada de inteção.

Imagine domingo de céu cor chumbo, chuva fina riscando o horizonte e ar de melancolia contaminando o ar do apartamento que a nem rua permite avistar.

Nesse dia sorumbático há pertubação pelo que permanece e nada muda; na sala um objeto falante revira a memória afetiva do "macarrão com molho inconsistente", frango assado e farofa dos almoços de outrora onde o que mais recorria era a abstração de tanta ironia e falsos sorrisos amarelos.

Penso que são domingos de olhar cabreiro e de laços frouxos que tento me distanciar...ressignificando o que dissera um ventríloco através dessa coisa falante: domingo é dia de escombro e esperança em construção!

Domingo é dia de coerências com as pequenas expectativas da vida. E a coerência não faz o menor sentido.

Aprendendo com Manoel de Barros: o poema é antes de tudo um inutensílio

Quero acordar, tarde, e preparar uma vitamina de poemas num dia de domingo.

Na segunda, dia carpindo de trabalho, calçarei meu poema para andar, durante todo o dia. O velho par de poemas surrados do todo-dia.

Durante o sol a pino, do meio dia, brasa sertaneja avermelhada, de uma terça feira santa, abrirei meu poema para guardar do calor minha pele.

Quarta, dia de cansaço suado, vou banhar. Lavarei com as águas do poema, com sabonete, vinho e vinagre, todos os meus orifícios.

Já na quinta que é dia de esperança, ao lado de meu poema amante, saborearei, degustarei, molhado de salivas, uma fatia de poema e um petit-gateau. Hum!

Na sexta-feira?
Na sexta-feira vou à forra. Lascivo, lamberei meu poema-falo, meu poema-entranha. Me darei de comer.

(noutro tom)
E no sábado, amanhecido triste, padecerei tísico, seco, amargurado como um poema velho, insandecido. Depois de morto, de novo vivo, darei à luz, de meu próprio ventre a um poema, posto que ninguém é pai de um poema sem padecer, sem antes de tudo morrer.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Viu-me

A andar na rua

Andar assim como quem come

O pó

A paisagem

A maçã dos tempos

Não desviou o garfo dos ombros

Por crer-me pouca demais pra tanto prato:


Inaniu-se.


Viu-me

A andar na rua

Andar como quem chove

Molhando os olhos

Os ocos centros

Dos tantos mundos

Não tomou do guarda-chuva

Por crer-me sol demais pra tanta água:


Afogou-se.


Viu-me

A andar assim na rua

Andar como quem se despe

As glândulas inchadas

em cada mama,

dez mil ninhadas penduradas

Não escusou-se

E a despeito da barriga farta:


(M)Amou-me.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Todo Dia

É preciso ser um felino de mil vidas.

Morro hoje,
renasço amanhã.
Morro hoje,
renasço amanhã.
Uma eterna e crepuscular ressurreição.

Morro de mortes inacabadas e descabidas.
Cada dia oferece sua dose letal diária.
nas pequenas coisas, nos mínimos gestos, no ordinário caminho do cotidiano...
Eis a severina morte e vida diária:
a. a vida é grande;
b. e elefante se come aos pedaços.

Morro hoje,
renasço amanhã.
Morro hoje,
renasço amanhã.
Uma eterna e crepuscular ressurreição.

Até não sei quando,
ou quando não sei:
Descansarei em paz?

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Predestinação Profana - O Espectador

Havia um homem, João, excelente pagador, exímio que só.

João gostava de pagar por sexo.
Não havia nenhum estranhamento nisso.
Não era exatamente sexo, era um não-sei-quê de pedir o garoto de programa para se masturbar gozar em sua frente. João, contemplativo, apenas fitava o pobre em sua cena erótica. Podia ficar horas ali.
Às vezes até filmava, apenas para registro, para ver depois e lembrar de como havia sido bom espectar.
O meninO/qualquer oferecia seu corpo a João, dispunha seu corpo para servir, para estar a serviço.
Era justo.

João calculava sempre o pagamento por merecimento.
Se o gozo fosse jorro - grana, muita grana, todo o ordenado.
Se o gozo fosse flácido - o pró-labore simbólico devido.

Tinha prazer em investir seu dinheiro em alegrias e incogruências.

João gostava de pagar para ir ao teatro, pagar por cena.
Não havia nenhum estranhamento nisso.
Não era exatamente o teatro como todos viam não, era um não-sei-quê de procurar peças undergrounds com pouca platéia, e assistir ao espetáculo quase que solidariamente na arquibancada. E quanto mais vazio o teatro, mais contemplativo estava João, admirador nato, apenas fitava os pobres atores em sua cena/sacrifício de atuar para platéia vazia.
João podia ficar horas ali.
Às vezes até filmava, apenas para registro, para ver depois e lembrar de como havia sido bom espectar.
O atOr/qualquer oferecia seu corpo, dispunha seu corpo para servir, para estar a serviço.
Era justo.

João pagava os ingressos (por mais caros que fossem), mas calculava sempre o pagamento extra por merecimento. Se a cena lhe fosse cara, sensível ia até a produção para dar mais dinheiro à peça.
Certa noite, João chegou a ir a pé para casa depois de doar, à um atOr/qualquer, todo o dinheiro que tinha.
Se o gozo estético fosse jorro - grana, muita grana, todo o ordenado.
Se o gozo estético fosse flácido - apenas o ingresso.

João tinha prazer em investir seu dinheiro em alegrias e incogruências.

João ganhava um salário mínimo como operário de um fábrica transnacional.
Gastava todo ordenado nas ludicências e vivia apenas de luz e água, alojado sob marquises e pontes.
Era seu destino. Parecia estar escrito. Havia nascido para ser platéia. Não podia fazer diferente.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Quem acha que a realidade é estática

Que a vida esta dada

E se coage com as repressões

Que normatizam esta ordem


Saiba que as flores continuam bravamente a crescer

Sempre prontas para parar canhões

Frear guerras

E perfumar a revolução.

Hoje acordei feminista. Como pode um homem amanhecer feminista não sei explicar, mas foi isso que me aconteceu.E não é desses feminismos tortos, machismo ao contrário que pregam a força e a superioridade das mulheres, a guerra entre os sexos, a igualdade de gênero e coisas assim.

Não! Foi um feminismo feminino. Uma consciência das particularidades do feminino, das particularidades da força feminina, da grandeza toda desse elo entre o mais que humano e o divino capaz de originar vida!!De produzir com seu corpo alimento para o corpo de outro. E o que sinto com isso se não é inveja é admiração. E uma ponta de curiosidade de vontade de sentir também, de sentir com os teus mistérios e tua sensibilidade tão diferentes da minha.

E foi isso, hoje acordei feminista, apaixonado pela beleza feminina, pela força feminina, pelas fraquezas femininas. E por falta de melhores palavras mulher mulher mulher.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Gavetas

Gaveteiro de personas e construções.
Ordenação de frágeis perguntas retóricas.
01. Quem somos?
02. Que somos hoje, agora?
03. O que é que define, disseca , discrimina?

Achei que a vida estava um caos.
Um caos que me tirava o sono.
Refleti por algum tempo.
Tomei uma decisão segura.
Comprei um gaveteiro.

Organizando da vida:
gente boa, gente ruim, gente preta, gente branca, gente azul, gente amarela, gente branca, gente desprezível, gente insuportável, gente gay, gente hétero, gente com vagina, gente com pênis, gente metódica, gente assexuada, gente rica, gente pobre ou paupérrima, gente fina, gente humilde, gente chata, gente insuportável, gente...
e a última gaveta: gente variada de classificação imprecisa.
Analisei tudo, separei tudo, etiquetei tudo, carimbei todas as gentes e guardei a todos nas gavetas de cada natureza.

Vi tudo organizado e fiquei feliz.
Só a última gaveta parecia incomodar um pouco.
Mas era também uma gaveta, o que me confortava.

Pode ser triste para quem se anexou a qualquer que fosse das gavetas, mas eu, dono do gaveteiro, agora durmo o sono dos tranquilos.

Sobre Cabelos e Desejos

Tenho sempre um belo motivo para ir ao salão cortar os cabelos.

Hoje estive no salão.

Meus motivos?
Um libido, uma sensação...
Tudo tem nome. Não sei o dele.
Chamo-o apenas de: meu cabeleireiro.
Nossa! Que homem viril! Rara espécie de macho.
Eis minha tesoura do desejo: comê-lo todinho, até o último milímetro.

Do espírito humano e outras especulações

Há casos em que comer carne de porco é canibalismo!

De como arrancar um verso de si

Vou ocupar o vazio que deixou em mim
com uma música qualquer.
Resolver com um poema
toda angustia, todo vazio
de tua não presença.

Trocá-la por um cancioneta
Um refrão com rima
Uma melodia fácil.
Um verso que contemple tudo.
Uma pausa, um silêncio e nada mais.

E ai cantarolar sua ida.
Brincar com sua partida
como se ela fosse feita de suaves acordes.
Substituir você por um samba, uma bossa
Ou qualquer canção que arranque seus versos de mim.

domingo, 10 de abril de 2011

ELA - uma combustão

É quando qualquer coisa mais ao meu sul
Me enche de saudade
E os dias de primavera
cantam um outono desafinado
Ou quando alguém embriagado
vomita-me poesia de vidro
desfazendo o meu passo
Que ela vem.

E quando ela vem
eu salto pela janela
porque a porta é distante
e urge respirar o sol pela pele
Impera abrir os poros,
e suar arco-irinhos minúsculos
às miríades, às miríades!
Só para eu oferecer
minhas cores a ela.

Quando ela vem eu rimo
Como tudo o que é bonito
E com quase tudo o que é sagrado
subo ao céu feito prece tibetana:
No vento!
Ela, aquela...
a poesia alada
que não me cabe
Mas me inflama,
Me inflama e me expande.



sábado, 9 de abril de 2011

Infanicências

Hoje desejei brincar na chuva feito criança,
esta que fui antes de virar a página.


Há - no sentido de existir

Há desatino em mim
E os dias cinzas de outono
Faz notar-se a ausência do sol que pela manhã busquei
Há nostalgia comum aos dias de poucas matizes
Há solidão na noite fria
E há também o desejo de ter o acalento de quem longe permanece.

Conversa de meninos

Um menino: Te escrevi uma carta de amor e de melancolia. Modo que tenho de dizer palavras que possam dizer o que sinto sem dispersar um só fonema.
Outro menino: Mas hoje não vai ter conversa?
Um menino: A carta que lhe escrevi lhe dirá tudo que lhe diria hoje a noite - e com certeza melhor.
Outro menino: Mas não há de haver o beijo derradeiro, beijo último, consciente de seu ato, do fato do fim?
Um menino: Leia a carta. Eis aí nosso último beijo. Durma com os sonhos, acorde cedo para realizá-los. E estamos conversados.
(Um menino sai. Outro menino passa a ler a carta. Choro. um som. Escuridão)

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Há tantos pássaros
Mortos
Pelo caminho
Que me surpreende
ser ainda possível
que alguns voem.

Conto-vos que ontem... - (SOBRE JOGO ESCOLHAS DE FINAIS)

Encontrei uma margarida
Cortada, descartada
no chão.

Apesar dos dentes branquinhos
que espalhavam o sorriso
ao redor da cabeça

A pessoa que a desprezou
não viu
Nem ninguém mais viu

que antes de morrer
ela sorriu
em bem-me-quer.

(PRIMEIRO FIM)

ou tratar de plantas ninguém sabia
ou faltou disposição

eu que sou esperta
fiz dela uma muda

que há de florescer
e florir meu verão

(SEGUNDO FIM)

É possível escolher qualquer um dos finais.


quinta-feira, 7 de abril de 2011

Fragmento de uma dor-de-cotovelo bem resolvida

Foi lindo te ver diante de mim. Aquela vastidão toda, iluminado, grande. E eu vi um sol em você, e um céu sem limite reto de horizonte. E pensei comigo mesma: vou voar! Impulsiva que sou, alcei-me. Mas olha o meu espanto: eu não subi, eu caí, caí. Só que não caí por muito tempo porque você é raso, Zé. Você não é um céu, é uma poça. Uma pocinha de nada. De nada mesmo. Me machuquei e agora ando com o ridículo de uma ferida aberta na testa, pra todo mundo ver. Mas, admito Zé, há uma coisa que me consola: tanto você, quanto a minha ferida, tendem a secar.

Amortização

Ah não, pára. Nem tudo o que não me mata me fortalece. Há coisas que só matam um pouquinho de cada vez e vai tirando esse brilho da pele. É assim que a gente vai morrendo. Mas não é contra essa mortezinha besta que me acomete de batata em batata que eu luto. Eu luto é contra o cadáver que vou me tornando. Ele fede.

Das identidades

Ela me cantou uma frase que falava de correntes e de mundos, e eu disse: Que linda! E ela: é Marx. Eu sou marxista. Ahh, respondi, "eu não sou nada. Não posso querer ser nada, à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo." E ela estupefacta. É Pessoa, eu disse, é que eu sou pessoa. Mesmo.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Saudade pôs um samba em teu lugar

Imitação de Carlos Lyra e Bôscoli.

Benzinho,
queria poder por um samba em teu lugar...
Mas pra que haja samba há de haver saudade e, além de tudo, é preciso compor um bom refrão.
Refrão de samba marcado, de baque virado, de arrumação.

Fazer um samba triste.
Um samba pra marcar e matar essa tristeza, de compasso torto sempre.
Pro coração dançar contigo uma última batucada,
pra arrefecer o ódio dessa bossa nossa, bossa amarrada,
pra fazer o corpo rebojar, andar enviesado como nas chulas de roda,
rodar, rodar, rodar, embriagado e farto de tanta dança.
Mas pra tudo isso, benzinho, é preciso compor outro refrão.

Benzinho,
queria poder por um samba em teu lugar...
um samba-canção, um samba enredo, exaltação,
um samba corrido, samba de partido alto, samba de terreiro.
Um samba que fizesse sambar meu peito, que brecasse o samba e o peito do jeito que o diabo quer.
E depois ser só leveza, leveza de sambinha, de bamba, leveza de um samba qualquer.
Mas pra tudo isso é preciso compor outro refrão, benzinho.

Juro, te prometo um samba novo, um samba triste.
Um samba purgador da alma, que nos re-alinhe o pulso.
Mas de antemão aviso, benzinho: não sou nenhum João Gilberto.

domingo, 3 de abril de 2011

Mais uma transa frouxa?

O Homem acordou aquele dia um pouco diferente. Olhou para o parceiro ao lado da cama. Parecia o mesmo de tantos anos atrás. Será que era? As fotografias diriam que sim mas ele tinha dúvidas.
Enfadado fitou o parceiro ainda dormindo o sono denso e delicado do dia que já estava a pino depois de uma alvorada lenta.
Levantou-se, abriu uma garrafa de vinho, tomou todo sumo da videira e quebrou a última taça de cristal ainda cheia, as outras tinham sido igualmente quebradas por descuido ou por tédio.
Voltou a observar o parceiro que continuava dormindo.Quando o pênis respondeu a um chamado íntimo... Ali, sem acordar o parceiro o homem se excitou às últimas consequencias. Transou uma transa louca e embriagada como nunca e nem se preocupou se havia o mesmo gozo no corpo do outro. Era uma transa egoísta, como a maioria, apenas para satisfazer os desejos do Homem.
E foi no climax orgiástico que ejaculou um rio inteiro de gozo. E por fim... o Homem morreu em plena cama. Uma morte feliz, com sorriso nos lábios.

Comércio poético

Vendo Rimbaud pela janela. dando-lhe um último adeus, sob a luz amarelada do sol.
Vendo todas os meus versos de Rimbaud.
Amores vermelhos não me cabem mais. Careço de carícias azuis, carícias de lagoa.
E justo por isso:
Vendo todas os meus versos de Rimbaud.


sábado, 2 de abril de 2011

SOBRE CONSULTAR ORÁCULOS

(Desesperado, no meio da noite, Eu procura bálsamo para suas inquietações. Liga o computador para acessar o templo.)

Eu: Qual é a cor da minha camisa?

Google: O sobrenatural existe. Ele está à nossa volta!

Eu: E eu posso acessá-lo?

Google: Não. Meu perfil existe mas nem eu posso acessá-lo. Sou intangígel, inatingível, imaculado.

Eu: E como acreditar?

Google: Acreditar? Ora, Como acredita-se na justiça.

Eu: (desafiante) Bem, então eu prefiro dividir felicidade, dizer que não valeu a pena acreditar na Justiça, nem fazer consultas à oráculos.

Google: E Por Que Não? Cante e ouça com seus amigos! E que não haja mais imprecisão a respeito desse assunto.