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POESIA COLABORATIVA
Suor. Espaço de exercício poético e livre escrita...

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Epifania

Era um menino diferente
Como toda gente parida no sertão
foi criado pra ser lavrador:
arar a terra, cuidar da cova da semente, plantar direito, recobrir a semente com uma tira fina de areia adubada.
Por a mão na terra e sentir parte daquilo, ser daquela natureza.
Afagar a terra, debulhar o trigo, decepar a cana*.
Com o trabalho na terra o menino sentia-se assim: parte.
Era um prazer imenso pro menino lavrar fazer o que fazia.

Mas com o tempo o menino percebeu que era empregado de um patrão escroto que lhe açoitava de tanto trabalho, e que tinha de tudo sem nada fazer.

Viver aquela opressão diária do patrão deixava a hora passando mais vagarosa e fazia rebuliço e nó no peito.
Tédio. Tédio. Tédio.
Resolveu matar o patrão e ser patrão ele também.
E foi um patrão escroto. Desses que escravizam, que envenenam, que oprimem e até matam se puderem fazer.
Era essa sua vida de patrão.
Com o tempo a vida de patrão não parecia mais ser tão grata escolha. Porquê?

Não era possível que toda a gente fosse homem praquilo só.
Era só aquilo: conforto, solidão, inveja e ódio.
Tédio. Tédio. Tédio.
Com o tempo nada mais lhe dizia respeito.
O menino largou mão da crueldade de ser patrão.
Deu tudo, doou móveis, fazendas, xácaras e sítios...
Toda propriedade....
Nada mais ia ser seu.

O menino percebeu que a religião era quem tinha as respostas, que mesmo com todo poder que viesse a ter como patrão, estaria sempre subjulgado à uma força divina maior que a tudo via, julgava, absolvia ou condenava.
A religião dava ao homem mais felicidade que a propriedade.

O menino tornou-se religioso.
Achou que com um Zeus bondoso ia aprender o que era ser gente, o que era viver.
O menino julgou que assim ia ter respostas.
Mas com o tempo Zeus se mostrou não ser boa opção. Porquê?

A inteligência do menino era grande.
Seu talento retórico era impressionante em público.
Com o tempo o menino passou a gostar de ver toda a assembléia lhe ouvindo...
Uma plenária inteira atenta como ovelhas ao seu pastor...
ovelhas ocas, sem direção...
Passou a amar ter aquelas ovelhas silenciosas para adestrar e mostrar o caminho...
-Acima! Abaixo! Esquerda! Direita! Chão, chão, chão-chão-chão!
Seu poder era imenso. Um autêntico e genuíno sacerdote filho do poderoso e benevolente Zeus.

Era só isso?
Promover a ligação da terra com o cosmo?
Por que não disseram logo?
Era bobagem, o menino fazia isso "com o pé nas costas", como se diz.
Tédio. Tédio. Tédio essa sua vida de sacerdote.
Ser corrupto consigo mesmo, inventador de discursos de uma voz só.
Porta-voz de um Zeus que oprime, ordena, nomeia, julga, castiga...
Queria não.
Num ato de amor, extremo amor, o menino abandonou a religião e as ovelhas.

Havia percebido que o discurso laico da ciência era o que movia o mundo de seu tempo.
E estava resolvido: o menino ia tornar-se um intelectual apenas.
O menino começaria lendo filosofia.
Da filosofia rumaria aos estudos de física quântica.
Leria seus livros, veria seus filmes e só.
Mas com o tempo ser intelectual passou a não ser uma saída viável para a felicidade. Porquê?

O menino via tudo, a tudo olhava.
Reconhecia misérias, ignorâncias e preconceitos.
Olhava para tudo com desconfiança e via que o mundo não tinha mais jeito de ser...
Tudo lhe parecia óbvio e entrópico pela própria natureza
Era só isso: ter luz, enxergar tudo, desacreditar deprimir-se.
Era fácil demais.
Tédio. Tédio. Tédio.
O menino, num ato de rebeldia, fez uma grande fogueira com seus livros e escritos.
Aquilo não lhe dizia mais respeito.

O menino descobriu, por fim, que sua sina seria correr sempre atrás de beleza - que parecia sempre escorrer pelos dedos.
E o menino refletiu: só os poetas são felizes, ainda que tristes.
Só a metáfora lhe parecia, depois daquela jornada, potente, libertadora.
A capacidade de jogo, de criação, de relação era o que fundamentava todo o resto.
Alcançara o nirvana.
Eureka!

Estava feito, o menino, dali em diante, seria um fabulador, um POETA.



* "Cio da Terra" -

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