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POESIA COLABORATIVA
Suor. Espaço de exercício poético e livre escrita...

sábado, 18 de junho de 2011

TEMPO DE ESPERA


(Para ser lido, em voz alta, em filas de bancos, de espera de caixa, de supermercado, ou na fila de uma repartição qualquer.)

Esperou nove meses para nascer.
Parto frondoso, orgasmo invertido* e cheio de dor.
Esperou a infância inteira passar para ser gente.
Eis como era:
Esperava em filas de bancos,
esperava nas filas dos caixas,
Esperava, esperava, esperava.
A hora de ser chamado,
a hora de ser mamado,
a hora de ser comido,
e todas as outras horas:
a de ser citado, de ser nomeado,
ou reconhecido, ou olhado, ou contemplado.
Esperava aflito a hora de amar.
Esperava paciente o tempo de ser ralhado, e de ser rechaçado, e de ser oprimido.
Esperava o transporte passar.
Esperava o tempo abrir,
e esperava a sinaleira escancarar em seu verde mais espantoso.
Atormentado, esperava a hora de comer, a hora de beber, a hora de excretar, a hora de expelir.
Eperançoso esperava sempre: o dinheiro cair do céu; os milagres se manifestarem; o grande dia chegar.

Esperava sempre um grande amor.
Essa espera era a única que não lhe extenuava.
Confesso: sentia que essa espera era uma espera besta.
Refletia um pouco, pensava em desistir.
Esperava todo dia um pouquinho mesmo assim.

Mas o que gostava mesmo era de esperar pela felicidade.
Se perfumava todo e esperava a felicidade bater em sua porta, cheia de vida e saúde, casta e silenciosa.
Ficou foi besta quando a felicidade chegou:
Era uma felicidade barulhenta, rock and roll, gostosona, uma felicidade puta, vadia, vagabunda, insandecida, cheia de dentes e doida para as pernas abrir.

Poesia escrita na fila do Banco do Brasil, uma fila que não teve fim.

* Referência a música "Nave Maria" de Tom Zé

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